Outro governador catarinense foi deposto num 24 de outubro, há exatos 90 anos

Há exatos 90 anos, em 24 de outubro de 1930, o governador Fúlvio Coriolano Aducci (Desterro-1884 – Florianópolis-1955) foi deposto pela Revolução de 1930, menos de um mês após sua posse no cargo. Aducci era do Partido Republicano Catarinense (PRC), legenda de expressão na Velha República. A Revolução comandada por Getúlio Vargas representou exatamente a ruptura histórica com a Velha República (ou Primeira República), sistema político baseado no coronelismo e no poder das oligarquias políticas e econômicas regionais.

Fúlvio Aducci, deposto em 24/10/30, imagem do acervo da Alesc

Na madrugada de 24 de outubro de 2020, 90 anos depois, outro governador eleito foi deposto, desta vez por um golpe parlamentar articulado na Assembleia Legislativa por grupos oligárquicos tradicionais do Estado, aliados a representantes do emergente movimento bolsonarista.

Carlos Moisés (PSL) fez a eleição mais surpreendente para o governo catarinense em todos os tempos. Entrou na disputa meio por acaso, instado por integrantes de movimentos como Vem Pra Rua, Nas Ruas e MBL, a maioria com base em Tubarão, onde Moisés comandou o Corpo de Bombeiros Militar por cerca de 18 anos e onde estudou e se formou em Direito, pela Unisul.

Ele disputou o governo em 2018 como outsider, ou seja, alguém que não tinha nada a ver com política e se apresentava como um rosto “novo”, filiado ao PSL e fiel à construção do bolsonarismo como linha política de extrema-direita no Brasil.

Elegeu-se graças à “onda 17”, que também colocou na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa um bando de aloprados. Nem da velha política, nem da nova política, Moisés continuou sendo um outsider (um “estranho no ninho”) depois que assumiu o governo. Em suma, “não jogou o jogo”. Não manifestou o gosto pela negociação, pela articulação, pela composição. Nem com seu partido, cujos deputados se elegeram graças ao esquema de fake news e do espírito antipolítica dominante nas redes sociais. Entre seus opositores na Alesc estava (e está), por exemplo, a deputada bolsonarista Ana Campagnolo, ferrenha inimiga da educação pública e do feminismo. Logo depois de eleita, ela gravou um vídeo alucinado, estimulando pais e alunos a denunciarem professores por eventual “doutrinação esquerdista” em sala de aula. O sonho da militante extremista de direita era se tornar secretária da Educação. Mas Moisés preferiu um técnico, pinçado da estrutura do Senai, professor Natalino Uggioni.

Na prática, o governador, depois de alguns meses no poder, tornou-se um político moderado, distanciando-se do modelo raivoso praticado por Bolsonaro e por seu séquito de malucos. Bom sujeito, músico e cervejeiro amador nas horas vagas, Moisés perdeu a oportunidade de estreitar seus laços com os deputados da “velha política“ na Alesc. E talvez tenha demorado a descobrir que lá, na Assembleia, moravam mais inimigos além da bancada do PSL: deputados do PL, do Novo, do PSD e do MDB. Mais que isso, também o próprio presidente da Casa, a raposa Júlio Garcia (PSD), aliado e ex-amigo de Gelson Merísio (hoje no PSDB), que perdeu para ele, Moisés, a disputa do segundo turno em 2018.

O governador “bombeiro” Carlos Moisés, vítima de um incêndio político. Foto Júlio Cavalheiro/Secom

Esse “conjunto de atores” boicotou o governo do bombeiro desde o início, com evidentes interesses politiqueiros, econômicos e oportunistas (cargos nos diversos escalões governamentais). Moisés resistiu enquanto foi possível. Mas em dado momento, quando surgiu a pandemia, viu a oportunidade de se tornar protagonista na questão de saúde pública, porque, além de comandante dos Bombeiros, foi diretor da Defesa Civil, ou seja, é um homem forjado profissionalmente no atendimento a emergências comunitárias.

O governador foi muito bem nos primeiros momentos da crise sanitária, mas colecionou inimigos nos meios políticos e empresariais. Os decretos de restrições econômicas incomodaram em especial as bases comerciais bolsonaristas do Estado, muito fortes em grandes e médios municípios.

Até que surgiu a história dos respiradores, um negócio vultoso (R$ 33 milhões, sem licitação e pago antecipadamente), denunciado em reportagem do The Intercept Brasil, feita pelos jornalistas catarinenses Fábio Bispo e Hyury Potter. Embora o caso ainda não tenha sido esclarecido (e é objeto de outro pedido de impeachment), a questão dos respiradores abalou a estrutura do governo de Moisés – de tal forma, que ele perdeu dois secretários de confiança, Helton Zeferino (Saúde) e Douglas Borba (Casa Civil).

Bombardeado pelas raposas da velha política e sem apoio dos extremistas de seu partido, Moisés foi derretendo aos poucos, até que esquentaram a história envolvendo o reajuste dos procuradores, autorizado por ele. E alguém, muito malandro, apresentou duas vezes um pedido de impeachment com base nesse caso nebuloso. O segundo pedido colou, graças a Júlio Garcia. E Moisés foi afastado do cargo por 180 dias, em decisão do tribunal misto (deputados e desembargadores), no início da madrugada deste sábado, 24/10.

A vice Daniela Reinehr, bolsonarista raiz, vai assumir o governo durante o processo de Carlos Moisés. Deve escancarar espaço na administração para abrigar a estrutura de extrema-direita de Santa Catarina, além de abrir os cofres para a sedenta mídia bolsonarista, que esbarrou na resistência de Moisés à distribuição de verbas publicitárias.

4 comentários sobre “Outro governador catarinense foi deposto num 24 de outubro, há exatos 90 anos

  1. Apenas uma correção, Julio Garcia e Merisio não são amigos. Houve inclusive um racha no PSD em 2019 ocasionando a saída de Merísio.

      1. Corrigi posteriormente (editei), após o primeiro comentário.

  2. Certeira sua análise. Corvos de um lado, raposas fundamentalistas de outro. E o Carlos Moisés, um belo “boi de piranha” disso tudo. Ele foi, no mínimo, inocente ao crer no hospício do PSL e dos aprendizes de bandidos desse partido.
    Júlio Garcia, esse me surpreendeu na pouca inteligência. Fez o que fez pensando que a cadeira de governador seria dele, apenas esqueceu que há uma vice-governadora e uma estrutura judiciária altamente reacionária (o Bolsonaro se elegeu com alta votação no estado). Garcia foi dar um golpe, e foi golpeado. E os procuradores, com o reajuste pomposo nos bolsos. E mais um golpe se apresentou no nosso país.

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